Expedição pelo Limite Leste na TI Yanomami

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No sábado, dia 27 de outubro, a Hutukara, em parceria com ISA e Funai, inicia uma expedição que deve percorrer mais de 150km da fronteira leste da TI Yanomami. O objetivo da Expedição é fazer o reconhecimento da situação da fronteira dessa região, que está sob pressão das frentes de expansão colonizadoras, através de Projeto de Assentamento do INCRA e também da distribuição de lotes sem nenhum tipo de controle prlo Governo do Estado de Roraima. Durante a expedição será elaborado um diagnóstico dos limites da TI, buscando avaliar as placas e marcos colocados pela Funai, apontando para futuras ações de proteção na região. Além disso, os Yanomami da região serão sensibilizados para o tema da proteção territorial.

O acesso à região do Ajarani é um dos mais fáceis dentro da TI Yanomami. Além da Rodovia Perimetral Norte, que cruza toda a região, diversos assentamentos são vizinhos da TI, que tem sua borda leste no limite da expansão da fronteira agrícola e madeireira. Junte-se a isso o fato de a Funai ter dificuldades em realizar a vigilância das Terras Indígenas e o resultado é que as invasões são constantes. Nessa região, segundo relatos indígenas, o maior problema é a invasão de pescadores e as comunidades da região já sentem a diminuição dos peixes dos rios.

Partindo da ideia de que a melhor forma de se promover a vigilância territorial é por meio da ocupação do território a partir do uso de seus recursos, o incentivo à coleta da castanha e ao acesso a locais de caça e pesca mais distantes, faz com que a construção das canoas seja um importante instrumento de vigilância territorial.


A região do Ajarani, os Yawaribe e a Rodovia Perimetral Norte


A região do Ajarani, na Terra Indígena Yanomami, foi a porta de entrada para a intensificação dos contatos dos Yanomami com os não indígenas. Os primeiros contatos datam provavelmente do final do século XIX, e ocorreram com extrativistas (balateiros, piaçabeiros, caçadores) que entravam em seu território e com missionários católicos e evangélicos. Esses contatos foram, no entanto, esporádicos.
No início da década de 1970 o governo militar do então presidente Médici pôs em prática o chamado PIN – Programa de Integração Nacional, responsável pela construção de milhares de quilômetros de rodovias por toda a Amazônia, incluindo a Transamazônica. O ano de 1974 marca a chegada do PIN no então Território de Roraima. Uma parte da malha viária prevista no PIN era a rodovia Perimetral Norte, que ligaria o extremo nordeste do Brasil (Amapá) ao extremo noroeste amazônico, na região conhecida como Cabeça do Cachorro, município de São Gabriel da Cachoeira, onde fica a Terra Indígena Alto Rio Negro.

No então Território de Roraima (o Estado de Roraima só seria criado em 1988), a construção da Perimetral Norte teve início próximo à sede do município do Caracaraí, e depois de menos de 50km entrou no território Yanomami. Os Yawaribe, até então isolados de um contato sistemático com não indígenas, foram expostos a centenas de homens e máquinas pesadas que trabalhavam na abertura da estrada. Não é demais afirmar que nem os Yawaribe nem os não indígenas estavam preparados para esse contato.


A partir de então uma série de graves problemas começou a assolar os indígenas recém contatados. Em primeiro lugar vieram as doenças. Sem imunidade para as enfermidades, centenas de indígenas morreram de gripe, malária ou foram vítimas de verminoses. Um relatório de 1979 de autoria de Alcida Ramos sobre o impacto da construção da estrada para a população Yanomami, afirma que do início da construção da estrada, em 1974, até a data da pesquisa, em 1979, ou seja, em 5 anos, 22% dos indígenas que viviam próximos ao posto da Funai que foi instalado na Perimetral morreram em consequência de doenças contagiosas.

Ainda sobre a depopulação, no mesmo relatório, Alcida Ramos escreve que em 1963 o lingüista Ernesto Migliazza contabilizou o total de 400 indígenas na região do Ajarani. Em 1975, um ano após o início da construção da estrada, a população foi estimada em 110 pessoas. Não se sabe o que aconteceu com essas 290 pessoas. Hoje são 120 indígenas vivendo na região do Ajarani.

O contato e a consequente depopulação causaram uma profunda desestruturação dessas comunidades, que persiste até os dias de hoje. A rotina das atividades produtivas foi seriamente impactada, gerando a dependência de uma série de produtos da cidade, incluindo alimentação, pois o trabalho nas roças ficou prejudicado e a construção da estrada causou significativos impactos ambientais, como a diminuição da oferta de caça.

Para suprir essas demandas, primeiramente as mulheres indígenas foram empurradas para a prostituição. Casos foram relatados desde o ano de início da construção da estrada. Em seguida, após o estabelecimento de fazendas no território Yanomami, incentivado pela abertura da estrada, os homens Yanomami foram trabalhar como diaristas, em péssimas condições e sendo explorados por seus patrões. Mesmo depois da homologação da Terra Indígena Yanomami em 1992 ainda continuam na região do Ajarani cinco fazendas de pecuária, dentro dos limites da TI. E até hoje é possível afirmar que a população Yawaribe convive com a questão de prostituição de mulheres e exploração indevida de trabalho indígena nas fazendas.

Moreno Saraiva Martins
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Instituto Socioambiental
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