Tribo quer fazer funeral para amostras

Tribo quer fazer funeral para amostras

DA REDAÇÃO (Folha de São Paulo)

Os ianomâmis sabem direitinho o que fazer com as mais de 2.000 amostras de sangue coletadas por James Neel e colegas quando elas voltarem a Roraima. Chamarão os velhos, chorarão pelos parentes mortos e despejarão tudo no rio.
Os índios acham inconcebível que partes de pessoas que não existem mais ainda possam estar zanzando por aí, trancafiadas em geladeiras a milhares de quilômetros de distância.
Não há lugar para a permanência dos mortos na Terra na visão de mundo ianomâmi. As cinzas dos parentes são misturadas a comida ou bebida para que não sobre nada do finado. Seu nome nunca mais é mencionado.
"É a maneira como você constrói a separação entre o mundo dos mortos e o dos vivos", diz o antropólogo Bruce Albert, da Comissão Permanente Pró-Yanomami, em depoimento no filme "Napëpë" (2004), da antropóloga Nadja Marin. "Se você não faz isso, os mortos voltam e ficam perseguindo os vivos."
Albert e o líder Davi Kopenawa Yanomami foram os principais responsáveis pela ação do Ministério Público junto aos EUA para a devolução das amostras.
Ambos estavam na Alemanha na semana passada e não responderam a pedidos de entrevista da reportagem.
Para Davi Yanomami, os cientistas não disseram o que seria feito com o sangue -só que as pesquisas trariam benefício. "Em parte vacinaram para sarampo, mas sangue eles não falaram, não."
Albert chama a coleta de "biopirataria". "Um dia [o DNA] pode ser explorado comercialmente, sem que os ianomâmis possam controlar qualquer coisa." (CA)